top of page
Buscar

A estranha linguagem da consultoria

  • Foto do escritor: Fernando Ximenes
    Fernando Ximenes
  • 13 de dez. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 15 de dez. de 2024



Será que algum executivo, em sã consciência, recorreria a um consultor para disruptar os disruptores; preparar a empresa para a era da urgência; tornar a organização imune ao futuro; soltar as amarras do capital humano; praticar o jiu-jitsu disruptivo; conduzir um detox da organização; ressetar a cultura organizacional; implantar um centro nervoso de resiliência; projetar a sombra da liderança inclusiva; reimaginar os ecossistemas regionais dos quais a empresa participa; compreender a colisão inesperada entre estratégia / organização, e as as forças do mundo digital; equilibrar a performance tática com a performance adaptativa?


Parece conversa de bêbado, mas estas proposições são reais, e partem de grandes empresas de consultoria.


Todas elas foram publicadas num curto espaço de tempo, e "vendidas" como receitas de sucesso. E talvez sejam mesmo, mas com o devido respeito, é preciso perguntar: "O que está acontecendo com vocês?"


Consultores deveriam ser mestres das palavras. Quase tudo o que fazemos depende da habilidade de articular e comunicar ideias. A descrição dos serviços; a demonstração dos diferenciais; a redação das propostas; a documentação das necessidades dos clientes; as recomendações e as instruções operacionais e, sobretudo, o alinhamento e a coordenação das equipes em torno de objetivos comuns depende de uma linguagem clara e precisa.


Mas parece que perdemos o rumo.


Pegando apenas o primeiro tema, a disrupção, vale a pena ouvir o que diz o criador do conceito, Clayton Christensen1:


Tenho uma preocupação. Na minha experiência, há gente demais falando em "disrupção" que nunca leu um livro ou um artigo sério sobre o assunto. Quase sempre usam o termo para invocar o conceito de inovação, como forma de dar credibilidade a qualquer coisa que queiram fazer. Muitos pesquisadores, autores e consultores chamam de "inovação disruptiva" qualquer situação na qual um segmento de mercado seja transformado, e as empresas que antes tinham uma posição dominante passam a enfrentar problemas.

No artigo, Christensen vai além, e mostra como o Uber (talvez um dos exemplos de "disrupção" mais citados entre nós) jamais poderia ser considerado uma inovação disruptiva por quem sabe do que está falando.


Porém hoje disrupção serve para quase tudo, na busca desesperada por likes e clicks. E perdeu completamente o significado.


Se quisermos ir mais fundo, esbarraremos em situações constrangedoras. Ao redigir os textos que compõem a base conceitual do meu pensamento sobre a consultoria, fui buscar autores que respeito na esperança de encontrar uma boa definição de consultoria.


Porém constatei que Alan Weiss, David Maister, Edgar Schein, Gerald Weinberg, Robert Schaffer, Peter Block e Peter Drucker discordam, por vezes radicalmente, sobre o significado daquilo que fazem.


O problema não termina aí. Experimente perguntar a cinco pessoas razoavelmente bem informadas sobre o sentido de termos que usamos no dia-a-dia, tais como liderança, inovação, proposição de valor, estratégia, posicionamento, modelo de negócio, coaching, ou qualquer outro que frequente o universo da gestão empresarial.


Posso afirmar, por já ter feito isso, que as respostas variarão quase sempre de um silêncio constrangido a uma série de lugares comuns, passando por explicações que até podem ter lógica, mas são inconsistentes entre si.


Com diria Caetano Veloso, "alguma coisa está fora da ordem".


A continuarmos assim, chegará um dia em que falar e ser compreendido se tornará o grande diferencial dos consultores.


Mas enquanto isso não acontece, está mais do que na hora de deixarmos de ser bonecos de ventríloquo de qualquer mercador de ideias.


Não é para isso que trabalhamos tanto, e definitivamente não é para isso que somos pagos. Na consultoria, a consciência e a coerência das palavras é indissociável da validade das ações.


A propósito, a pintura de Pieter Bruegel, genial artista holandês do século XVI que ilustra este artigo, chama-se Torre de Babel. 


Ela remete à história bíblica segundo a qual, incomodado com a insistência dos homens em construir uma escada que os levasse aos céus, Deus teria feito com que cada um passasse a falar uma língua diferente, de modo que a comunicação entre eles se tornasse impossível, e a arrogância fosse punida com o fracasso.


Qualquer semelhança com o universo corporativo será mera realidade.




Este artigo foi editado pela última vez em 12 de dezembro de 2024.




Referências

1 George Orwell, Politics and the English Language", Horizon, Inglaterra, 1946.

2 Clayton Christensen, What is disruptive innovation, Harvard Business Review, Estados Unidos, dezembro de 2015.



Copyright (c) 2024-2025 Koan Ideias e Projetos Não permitido o uso para o treinamento de inteligência artificial

 
 
 

Comments

Rated 0 out of 5 stars.
No ratings yet

Add a rating

© 2024 - 2025 Koan Ideias & Projetos

bottom of page